Preocupado com as dificuldades por que passa o Sr. Comendador Joe Berardo, passou-me pela cabeça ir pedir as palavras seguintes para servirem para uma das primeiras aulas da sua (nossa) reaprendizagem:
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O Mundo por um Canudo
DO LOGRO: Uma geração inteira foi vítima dessa mistura venenosa de pompa e invídia da geração que a precedeu. Da sua leviandade revertendo do efeito anestésico do subsídio e do juro fácil e da prestação simbólica. Dos sonhos diferidos e da alucinação novelesca e da ideia de carreira ascendente e reverberante por despacho. Do princípio do último modelo e do electrodoméstico sucessivo. Do logro. Uma geração inteira foi vítima da ilusão da geração que a precedeu de que a felicidade é um pó de estrelas que se compra na loja da esquina em pagamentos fraccionados.
DAS FICÇÕES: Uma geração inteira foi enganada pelo princípio de que o mérito é um resíduo e de que o esforço individual é uma inevitabilidade apenas se não for possível fugir dele. Deram-lhe uma escola onde lhes foi prometido e devido tudo: corredores e átrios, pautas, professores e livros de ponto. Onde a reprovação ou a exigência se constituem como anacronismos de um sistema preocupado sobretudo em garantir que os infantes não soçobram psicologicamente ao excessivo estudo ou ao rigor dos compêndios e dos cadernos suplementares de exercícios práticos. Onde a licenciatura ou o mestrado valem sobretudo pelo símbolo, o traje e o selo certificado, antes de acudirem pela suposta competência adquirida. Onde a adequação à realidade é acessória e se presume que a realidade, elástica, volúvel, é que deve sujeitar-se às contingências do sonho, da inverosimilhança e da ficção. E havendo, entre uma e outra coisa, disfunções, distâncias, fronteiras – a realidade é que está errada e ela é que deve moldar-se.
DAS CRISES: D. Quixote, no leito de morte, lamenta-se de ter cedido o espírito aos embustes dos abomináveis livros de cavalaria e de só tarde se desenganar do sonho. E, ditando o testamento, deixando todos os seus bens à sobrinha, expressa a condição de que os mesmos lhe sejam de imediato confiscados e revertam a obras pias se vier a casar com homem que se saiba leitor de livros de cavalaria e crente das suas lérias. Uma geração inteira, com a geração que a precedeu levitando, e recusando-se a meter os pés no chão por um momento que fosse, e assim, etérea, inclinando-se aos sonhos, foi aconselhada a seguir os exemplos dos livros que Quixote haveria de repelir num átimo de bom senso. E são estes mesmos conselheiros encartados que se lamentam agora de haver uma crise e que isso não lhes parece bem.
DO LOGRO: Uma geração inteira foi vítima dessa mistura venenosa de pompa e invídia da geração que a precedeu. Da sua leviandade revertendo do efeito anestésico do subsídio e do juro fácil e da prestação simbólica. Dos sonhos diferidos e da alucinação novelesca e da ideia de carreira ascendente e reverberante por despacho. Do princípio do último modelo e do electrodoméstico sucessivo. Do logro. Uma geração inteira foi vítima da ilusão da geração que a precedeu de que a felicidade é um pó de estrelas que se compra na loja da esquina em pagamentos fraccionados.
DAS FICÇÕES: Uma geração inteira foi enganada pelo princípio de que o mérito é um resíduo e de que o esforço individual é uma inevitabilidade apenas se não for possível fugir dele. Deram-lhe uma escola onde lhes foi prometido e devido tudo: corredores e átrios, pautas, professores e livros de ponto. Onde a reprovação ou a exigência se constituem como anacronismos de um sistema preocupado sobretudo em garantir que os infantes não soçobram psicologicamente ao excessivo estudo ou ao rigor dos compêndios e dos cadernos suplementares de exercícios práticos. Onde a licenciatura ou o mestrado valem sobretudo pelo símbolo, o traje e o selo certificado, antes de acudirem pela suposta competência adquirida. Onde a adequação à realidade é acessória e se presume que a realidade, elástica, volúvel, é que deve sujeitar-se às contingências do sonho, da inverosimilhança e da ficção. E havendo, entre uma e outra coisa, disfunções, distâncias, fronteiras – a realidade é que está errada e ela é que deve moldar-se.
DAS CRISES: D. Quixote, no leito de morte, lamenta-se de ter cedido o espírito aos embustes dos abomináveis livros de cavalaria e de só tarde se desenganar do sonho. E, ditando o testamento, deixando todos os seus bens à sobrinha, expressa a condição de que os mesmos lhe sejam de imediato confiscados e revertam a obras pias se vier a casar com homem que se saiba leitor de livros de cavalaria e crente das suas lérias. Uma geração inteira, com a geração que a precedeu levitando, e recusando-se a meter os pés no chão por um momento que fosse, e assim, etérea, inclinando-se aos sonhos, foi aconselhada a seguir os exemplos dos livros que Quixote haveria de repelir num átimo de bom senso. E são estes mesmos conselheiros encartados que se lamentam agora de haver uma crise e que isso não lhes parece bem.
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José Carlos Barros ; Jornal do Algarve, 22 de Janeiro 2009
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