8.3.08

Mãe! a oleografia está a entornar o amarello do Deserto por cima da minha vida. O amarello do Deserto é mais comprido do que um dia todo!

(...)

Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar historias ricas que ainda não viageie
Traze tinta encarnada para escrever estas coisas! Tinta côr de sangue, sangu!
verdadeiro, encarnado!
Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Eu ainda não fiz viagens e a minha cabeça não se lembra senão de viagens! Eu vou viajar. Tenho sêde! Eu prometo saber viajar.

Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um. Eu vou aprender de cór os degraus da nossa casa. Depois venho sentar-me a teu lado. Tu a cosêres e eu a contar-te as minhas viagens, aquellas que eu viagei, tão parecidas com as que não viagei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado!
Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa. Como a meza. Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exactamente para a nossa casa, como a meza.

Mãe! passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!

extractos de A Invenção do Dia Claro, Almada Negreiros

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